Doenças das vias biliares

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Tradão e Edição de Imagem

Científica:

 

Adaptação Científica:

Dr. Nuno Ferreira

Validação Científica:

Prof. Carla Rolanda

O que é?

A vesícula biliar armazena a bílis no intervalo das refeições e, nessa altura, liberta-a para o intestino delgado para ajudar a digerir os alimentos. As vias biliares são pequenos tubos de drenagem que transportam a bílis (uma mistura de colesterol, ácidos, sais e produtos residuais) do fígado para a vesícula biliar e desta para o duodeno. Diversas doenças podem afectar as vias biliares provocando, de alguma forma, a sua obstrução, motivo pelo qual doenças diferentes causam sintomas semelhantes.

Os cálculos biliares são a causa mais comum de obstrução das vias biliares. Os cálculos formam-se habitualmente no interior da vesícula biliar e podem obstruir a via biliar principal, um tubo de drenagem situado na base do fígado. Se o canal permanecer obstruído, a bílis pode acumular-se no sistema de canais biliares e na circulação sanguínea. Além disso, se se acumularem bactérias a montante da obstrução e se estas refluírem para o fígado, pode originar-se uma infecção grave denominada colangite ascendente. Se um cálculo biliar ficar parado entre a vesícula biliar e a via biliar principal, pode ocorrer uma inflamação da vesícula biliar denominada colecistite.

Os cancros das vias biliares (colangiocarcinomas) e as estenoses (cicatrizes que estreitam os canais depois da ocorrência de uma infecção, uma cirurgia ou uma inflamação) constituem causas menos comuns de obstrução das vias biliares.

Outras doenças das vias biliares são raras e incluem a colangite esclerosante primária e a cirrose biliar primária. Estas doenças, que são habitualmente diagnosticadas nos adultos de meia-idade, criam uma inflamação persistente das paredes das vias biliares, o que pode provocar estreitamento e cicatrizes das paredes. A colangite esclerosante primária é mais comum nos homens e em 75% das vezes é observada em pessoas com uma doença inflamatória intestinal (colite ulcerosa ou doença de Crohn). A cirrose biliar primária é mais comum nas mulheres e encontra-se, por vezes, associada a doenças auto-imunes, tais como a síndrome de Sjögren, a tiroidite, a esclerodermia ou a artrite reumatóide.

A atrésia biliar é uma forma rara de obstrução das vias biliares que ocorre em alguns bebés, 2 a 6 semanas após o nascimento, numa altura em que as vias biliares ainda não completaram o seu desenvolvimento normal.

As doenças crónicas, tais como a colangite esclerosante primária, a cirrose biliar primária e a atrésia biliar, podem resultar em inflamação e formação de cicatrizes no fígado, um problema conhecido por cirrose.

Manifestações clínicas

Os sintomas de obstrução de um canal biliar podem ser abruptos e intensos (por exemplo, quando um cálculo biliar bloqueia a totalidade do sistema de drenagem de uma só vez) ou podem surgir lentamente muitos anos após a inflamação ter tido início. As doenças das vias biliares causam alguns sintomas quando os produtos residuais se acumulam no organismo. Outros sintomas resultam da incapacidade das vias biliares conduzirem determinados sucos digestivos (sais biliares) até ao intestino, impedindo a digestão e absorção de algumas gorduras e vitaminas. Os sintomas de obstrução das vias biliares incluem:

  • coloração amarela da pele (icterícia) ou dos olhos devido à acumulação de um produto residual denominado bilirrubina
  • prurido (não limitado a uma área e que pode ser mais intenso durante a noite ou com o tempo quente)
  • urina de coloração castanho clara (urina “cor de vinho do Porto”)
  • fadiga
  • perda de peso
  • febre ou sudação nocturna
  • dores abdominais, especialmente comuns no quadrante superior direito (hipocôndrio direito), sob a grelha costal
  • fezes com gordura e de cor clara
  • diminuição do apetite.

Diagnóstico

O médico pode suspeitar de um problema nas vias biliares se o doente apresentar algum dos sintomas clássicos ou se uma análise de sangue revelar a presença de níveis elevados de bilirrubina. O médico irá colher a história clínica e examinar o doente para procurar indícios que possam explicar a lesão das vias biliares e do fígado. Uma vez que a inflamação do fígado (hepatite) e a sua cicatrização (cirrose) podem causar sintomas semelhantes, o médico irá fazer perguntas sobre o consumo de álcool, o consumo de medicamentos e drogas e as práticas sexuais, uma vez que todos estes factores de risco podem resultar numa doença hepática. Se uma pessoa sofrer de litíase biliar, se tiver tido uma pancreatite, se tiver sido submetida a uma cirurgia abdominal ou se tiver sintomas de uma doença auto-imune (tal como dores articulares, olhos e boca secos, erupções cutâneas ou diarreia com sangue) deve comunicá-lo ao seu médico. Uma vez que alguns medicamentos podem retardar a drenagem através das vias biliares, a medicação deve ser revista.

Pode ser necessário realizar análises de sangue para avaliar os níveis de fosfatase alcalina, de bilirrubina ou de gama-glutamiltransferase. Estas substâncias constituem marcadores de obstrução das vias biliares. Outras análises de sangue podem sugerir uma inflamação ou uma cirrose hepática. Ocasionalmente, pode ser útil realizar outros marcadores mais específicos, tais como a pesquisa de anticorpos para diagnosticar uma cirrose biliar primária ou uma colangite esclerosante primária e dosear o CA19-9, que pode indicar a presença de um colangiocarcinoma.

Se o médico suspeitar de um problema das vias biliares, os exames adicionais irão depender da causa suspeita da doença. Os exames comummente utilizados incluem:

  • uma ecografia hepática, que pode revelar uma dilatação das vias biliares a montante da obstrução
  • uma tomografia computorizada ou uma ressonância magnética nuclear do fígado
  • uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), um exame no qual uma pequena câmara na extremidade de um tubo flexível (endoscópio) se insere através da boca até visualizar o orifício onde a via biliar se liga ao duodeno. Pode ser injectada uma substância de contraste na via biliar principal que se visualiza por radioscopia. O aspecto das vias biliares na radiografia pode proporcionar indícios sobre o problema. Podem colher-se amostras de células da parede das vias biliares para serem observadas ao microscópio para afirmar ou infirmar as suspeitas de cancro. Durante este exame podem ser realizados tratamentos para proporcionar alívio da obstrução.
  • uma colangiopancreatografia por ressonância magnética nuclear, um exame semelhante ao exame endoscópico acima referido, no qual são obtidas imagens de ressonância magnética nuclear sem recurso a um endoscópio. Este exame permite obter as melhores informações quando realizado por radiologistas com experiência na interpretação dos resultados. A desvantagem deste exame é que não permite obter tecidos para biopsia e subsequente exame laboratorial, nem permite intervenção terapêutica.
  • uma colangiografia percutânea (radiografia das vias biliares), que pode igualmente ser realizada após a injecção de uma substância de contraste no fígado e que permite aos médicos observar o fluxo de bílis à medida que esta é drenada do fígado. Durante este procedimento pode ser obtido tecido para biopsia e pode ser proporcionado alívio de quaisquer obstruções ou estenoses.
  • uma biopsia hepática, obtida por meio de uma agulha introduzida através da pele. O tecido é examinado para procurar evidências de inflamação ou de cancro.

Se um doente tiver uma forma crónica de doença das vias biliares, o médico pode proceder a uma avaliação no sentido de determinar se existem anomalias do colesterol ou osteoporose. Ambas as situações são mais comuns numa pessoa com anomalias persistentes da drenagem das vias biliares.

Evolução clínica

Para tratar uma obstrução e uma infecção provocadas por um cálculo biliar, os médicos prescrevem, em primeiro lugar, antibióticos. Depois de a infecção ter sido resolvida, o doente deve ser submetido a uma intervenção cirúrgica para remoção da vesícula biliar. Os sintomas causados por uma cicatriz (estenose) podem melhorar rapidamente se o tratamento restabelecer a drenagem da via biliar.

Os sintomas da cirrose biliar primária e da colangite esclerosante primária podem agravar-se progressivamente e conduzir à cirrose e à insuficiência hepática ao fim de vários anos de doença. Quando se desenvolve uma insuficiência hepática, um transplante de fígado pode melhorar a sobrevivência. No entanto, a colangite esclerosante primária e a cirrose biliar primária podem recidivar depois do transplante.

Prevenção

Se a pessoa tiver litíase biliar pode prevenir uma obstrução das vias biliares e uma infecção grave (uma colangite ascendente ou uma colecistite) se for submetida a uma colecistectomia. Esta intervenção cirúrgica é habitualmente realizada através de pequenas incisões no abdómen, um procedimento denominado colecistectomia laparoscópica.

Se a pessoa tiver excesso de peso e colesterol elevado irá apresentar um risco mais elevado de desenvolver litíase biliar. Para evitar complicações, deve esforçar-se por manter um peso saudável através de dieta e exercício físico. As mulheres que tomam contraceptivos orais ou terapêutica hormonal de substituição apresentam um risco mais elevado de formarem cálculos biliares e devem tomar em consideração este risco na sua decisão de tomar estes medicamentos. Além disso, uma dieta radical para uma perda de peso rápida pode resultar igualmente na formação de cálculos biliares.

Embora o colangiocarcinoma seja raro, os riscos associados ao seu desenvolvimento incluem o tabagismo, uma dieta com um conteúdo elevado em hidratos de carbono e a litíase biliar.

Determinadas infecções parasitárias (Clonorchis sinensis e Opisthorchis viverrini, também conhecida por fascíola hepática chinesa) podem aumentar o risco de infecções e de cancro das vias biliares. Se viajar para o sudeste asiático coma peixe apenas se estiver bem cozinhado. Se comer peixe insuficientemente cozinhado enquanto viajar nesta área, peça ao médico para efectuar uma pesquisa de parasitas nas fezes, especialmente se tiver sintomas de perda de peso ou de diarreia.

Tratamento

Para tratar uma obstrução secundária a litíase biliar e acompanhada por dores persistentes ou sinais de infecção, um gastroenterologista ou um cirurgião podem remover os cálculos por colangiopancreatografia retrógrada endoscópica. O endoscópio permite realizar uma incisão na base da via biliar principal, permitindo a passagem do cálculo biliar. Em alguns casos, o endoscopista pode inserir diversos dispositivos na via biliar para extrair o cálculo. Este mesmo procedimento permite alargar uma área estenosada da via biliar (por exemplo por um processo cicatricial) através da inserção e expansão de uma estrutura helicoidal em arame (prótese) no interior do canal. De um modo geral, os médicos recomendam que qualquer pessoa com uma obstrução da via biliar devido a um cálculo seja submetida a uma colecistectomia para prevenir a recorrência da situação.

É raro identificar precocemente um cancro das vias biliares mas, se este for diagnosticado numa fase inicial, pode ser tratado através de cirurgia. Quando o cancro se encontra numa fase mais avançada, a cirurgia não consegue remover completamente o tumor. Alguns procedimentos cirúrgicos podem ajudar os doentes com cancro a sentirem-se melhor, mesmo que não possam proporcionar a cura da doença. A cirurgia pode estabelecer uma derivação da via biliar para possibilitar uma melhor drenagem. A radioterapia pode ajudar a diminuir o tamanho de um tumor das vias biliares, embora não permita curá-lo.

A atrésia biliar, ou seja, uma falha no desenvolvimento das vias biliares no bebé, pode ser tratada através de cirurgia. Um método é utilizar uma porção dos intestinos do bebé para substituir os segmentos em falta da via biliar. Outro método requer uma derivação da drenagem biliar e uma cirurgia intestinal adicional. No entanto, a maior parte dos bebés com este problema continua a apresentar inflamação devido a uma drenagem deficiente e acabam por desenvolver cicatrizes (cirrose) requerendo um transplante hepático.

Uma vez que tanto a cirrose biliar primária como a colangite esclerosante podem conduzir a uma insuficiência hepática grave, pode ser necessário um transplante hepático para uma sobrevivência a longo prazo. Diversos tratamentos podem reduzir os sintomas ou atrasar a progressão da doença. Na cirrose biliar primária podem ser usados medicamentos como o ácido ursodesoxicólico, a colchicina e o metotrexato, mas a resposta é imprevisível.

O sintoma mais incómodo na doença crónica das vias biliares, o prurido, pode ser reduzido com medicamentos ― colestiramina ― que evitam a absorção de substâncias irritantes no intestino. Outro medicamento, a naloxona, pode neutralizar o efeito das substâncias irritantes que provocam o prurido. Se as fezes com gordura (esteatorreia) constituírem um problema, pode ser útil uma dieta com um baixo conteúdo em gorduras. Os médicos recomendam ainda a administração de suplementos de multivitaminas para melhorar a nutrição.

Quando contactar um médico

Se desenvolver uma coloração amarela da pele ou dos olhos, consulte o médico. Se, além disso, tiver febre ou dores abdominais, procure imediatamente cuidados médicos.

Prognóstico

As infecções relacionadas com uma obstrução por litíase vesicular apresentam um prognóstico excelente se forem tratadas. A infecção mais grave, a colangite ascendente, tem uma taxa de mortalidade inferior a 1% se for prontamente tratada.

O prognóstico da colangite esclerosante primária e da cirrose biliar primária melhorou com o diagnóstico precoce e a partir do momento que um transplante hepático pode constituir uma opção. Sem tratamento, a maior parte das pessoas com uma colangite esclerosante primária vive, em média, cerca de uma década depois de ter sido efectuado o diagnóstico.

As pessoas com uma cirrose biliar primária sobrevivem habitualmente entre 10 e 17 anos depois de ter sido efectuado o diagnóstico se nessa altura não tiverem sintomas. A taxa de sobrevivência é mais baixa a partir do momento em que se desenvolvem sintomas. Com um transplante hepático bem sucedido, a sobrevivência pode ser muito mais prolongada.

O prognóstico para as pessoas com colangiocarcinoma é melhor se o cancro for descoberto enquanto ainda se encontra confinado à via biliar, o que permite que seja tratado cirurgicamente. Uma vez disseminado, a taxa de sobrevivência é baixa.

Informação adicional

Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

http://www.spg.pt/

Direcção Geral de Saúde

Site: http://www.dgs.pt/

Alto Comissariado da Saúde

http://www.acs.min-saude.pt/

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